domingo, 31 de outubro de 2021

Ressaca

Depois de tanto conter seus anseios por uma vida mais livre, ela teve um rompante numa tarde e decidiu abandonar as amarras a que ela há muito se apegava por medo de se arriscar.
Naquela noite ela teve certeza que sua alma não havia morrido e comprovado que poderia sim despertar fagulhas de interesse em outra pessoa... isso não a envaideceu, isso a tornou lúcida, a trouxera de uma realidade de torpor de anos de invisibilidade e desesperança. Dali em diante foi um mar revolto de sentimentos que lhe levaram a deixar aquele alguém conhecer o mais íntimo do seu ser e ela não teve medo de se entregar. Estranhamente ela se sentia bem com ele, sentia como se sempre tivesse aquilo e fosse tão certo como estar em casa. 
Ela se sentia em paz pela primeira vez em muito tempo, mas principalmente ela se sentia feliz.
Há aqueles que desejaram lhe roubar esse momento de plenitude, chamando-a de nomes que não deveriam ser pronunciados e expondo-a publicamente por seus atos "impuros", mas ela já havia passado por tanta coisa que não mais se abalou com mais uma sessão de ofensas vazias de quem apenas estava com o ego ferido.
Ela não tem mais medo de ter sua honra colocada em dúvida, pois sabe quem é e o que honrou enquanto lhe coube fazê-lo. A consciência tranquila dela não permite que se sinta culpada por consequências do que outros estão vivenciando... porque a gente nunca sai sem pagar a conta do restaurante da vida. Nossas escolhas reverberarão em algum momento futuro e o que hoje semeamos será colhido mais adiante. Por isso ela escolhe não plantar nada de que possa se arrepender, ela quer ser leve e feliz, mesmo que para isso tolere muito além do que deveria de algumas pessoas.
Ela achou que as coisas perderiam o rumo dali em diante, mas aquela pessoa segurou na sua mão e quis ficar no meio de toda aquela tormenta. Ela conheceu sua família, seus medos e seus sonhos... e ele mostrou a ela como ser uma versão melhor de si mesma, enquanto ela também o fizera mais completo.
Ela ainda tem o medo enraizado de se aventurar, mas ele aos poucos vai curando essa questão e ela deixa. Ela é insegura e repetidas vezes tentou voltar a ser a antiga versão de si mesma, mas ele não permite e repetidamente afirma o quanto ela significa e o quanto ela não precisa ter medo de se mostrar pra ele.
Na última noite ela se deixou caminhar livre, se deixou contaminar pela liberdade de apenas estar em boa companhia... e ele honrou com a promessa de que cuidaria dela.
Ela está descobrindo que depois de ter enfrentado a ressaca do mar há ainda calmaria na praia, tem pra quem voltar e encontrar a paz.


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domingo, 17 de outubro de 2021

Areia

Hoje a tarde ela se sentiu viva novamente.
Ela riu de coisas bobas e flertou sem compromisso de que haveria um depois.
Ela se sentiu bem consigo mesma em muito tempo, sentiu que tinha possibilidades.
Num minuto de carência ela quase aceitou se aventurar por aí com alguém que não está na mesma sintonia que ela... mas refletiu e decidiu desacelerar.

É muito gostoso ter quem goste da gente, ter quem nos elogie e diga o quanto gostaria de nos conhecer melhor, mas isso não a lisonjeia a ponto de se entregar no primeiro sorriso.

É que ela prometeu a si mesma que não aceitaria menos, não mais...
Ela pode não "confiar no próprio taco" o suficiente para se aproximar de quem considera areia demais para si, mas também não vai se diminuir para "caber no caminhão" de quem ela considere menos do que o seu padrão de "qualidade". 
Ela não tem mais idade pra relacionamentos fadados ao fracasso e não, ela não quer um passatempo com alguém que não sabe o que quer - não que isso seja um problema, ela também já passou por essa fase quando era mais jovem e cometeu inúmeros enganos para chegar até aqui com alguma sabedoria guardada na manga.
Ela não está com relógio biológico tocando, não está desesperada por um casamento, mas ela sabe que merece mais do que uma ficada. Ela sabe que ele é legal e merece viver o momento...
Eles se dão bem, mas não funcionam juntos. Estão em descompasso. 
Tudo que viesse dali não daria certo, então ela da sua já ultrapassada juventude olha pra ele com uma saudade e um tiquinho de inveja por não temer as consequências dos seus atos e decide se afastar...
Se fosse outro tempo, se ela fosse jovem outra vez, talvez se permitisse jogar de cabeça nisso.
Ela já foi imprudente, já insistiu ficar onde não se encaixava e os danos ainda reverberam na sua alma.
Não vai cometer os mesmos erros outra vez. 
Ela pode até estar gostando um pouco dele, mas no fundo ela sabe que merece mais e que talvez esse outro surja em alguma curva do caminho.
Tudo que ela precisa fazer é esperar.
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sábado, 16 de outubro de 2021

Abrindo o coração

O seu olhar parece ter perdido o brilho e ela queria poder recuperá-lo...
Outra vez com "síndrome de salvadora"? Ela se repreende, pois da última vez não havia dado nada certo.
Mesmo se policiando para não pensar nele, mesmo tentando não ansiar pelo dia em que poderá ruborizar ao encontrá-lo, não passa um dia sem que ela sinta vontade de lhe enviar uma mensagem. Embora ela não saiba como dizer um simples "oi". 
Num lampejo de coragem ela o seguiu naquela rede social em que ele nunca posta nada.
Parece que ele não expõe nada sobre si, além do olhar triste nas fotos de perfil em que parece que algo lhe roubou a alegria de viver e apagou o sorriso tímido que talvez a tivesse cativado para esse paradoxo em que está presa.

Ela queria poder acreditar mais em si mesma, queria poder lhe falar sobre esse sentimento sem nome que cresce em seu coração, mas há tanto tempo que ela não se permite ser feliz que nem ao menos sabe se aquilo que borbulha em seu âmago é realmente um amor nascendo.
Mas ela não se sente a vontade com sua aparência, nem com sua inteligência (ou falta dela), nem com todos os comentários maldosos que fizeram sobre ela e que porventura possam ter chegado aos ouvidos dele.
Ela o enaltece, o considera muito além do que ela mereceria. Se rebaixa ao ponto de jamais sequer lhe dirigir a palavra, mas ainda sonha como uma menina boba com aquilo que lhe é impossível.
Ela queria ser diferente, queria lhe mostrar o quão incrível ela pode ser, mas parece que tudo de ruim que já lhe aconteceu se infiltrou profundamente e criou inúmeras raízes que nutrem esse sentimento de menos valia que impede que as pessoas saibam o quão incrível ela é.

Ela não queria se sentir desamparada, não queria se mostrar inabalável e envolta numa couraça resistente. Ela já apanhou demais da vida, queria poder ser cuidada por alguém. 
Pelo que parece ele também precisa disso... e ela não se importaria de baixar sua guarda e deixá-lo conhecer sua fragilidade e mutuamente cuidar de suas feridas se tivesse certeza de seus sentimentos por ela.

Em alguns momentos ela ensaia mentalmente o que poderia fazer para se aproximar dele. Então, ela se enche de coragem e pensa em mandar aquela mensagem que poderia mudar tudo, mas ela tem medo.

Ela conjectura inúmeros impasses quanto ao que poderia acontecer se ele sentisse o mesmo. E quanto mais ela pensa sobre isso, se convence de que nunca daria certo e se resigna ao fracasso iminente como a música: "tudo é tão impossível que ateamos fogo aos remos"

Acima de tudo ela não acredita que alguém como ele gostaria de alguém como ela. Ela crê que não tem nada para oferecer a alguém como ele...
Existe um abismo entre os dois que parece intransponível e ela sabe disso. 
A dor da rejeição não seria novidade, ela a conhece bem... mas o seu maior pavor é ter exposto que um dia ousou gostar dele. Que se riam dos sentimentos dela, que façam troça de seu afeto, tal qual Quasímodo... e esse medo a paralisa.

Ela nunca vai saber se ele poderia um dia lhe olhar da forma que ela o olhava. 
Ela nunca vai saber se ele um dia sonhara com ela como ela o fez tantas vezes.
Todas aquelas coisas irão viver apenas na sua memória de possibilidades  que nunca se tornarão realidade...

Ela se odeia por ser tão covarde.

Tantas oportunidades lhe escoaram pelas mãos por temor do desconhecido.
Ela sabe que só pode conseguir algo tentando, mas ela entra em crise de ansiedade só de imaginar em se mostrar pra ele.

Hoje será mais uma noite pensando em onde ele estará, o que estará fazendo e torcendo para ele estar bem, para que seja feliz e que encontre a felicidade mesmo que seja com outro alguém.

Eu acho que ela o ama, mas o que sei eu sobre o amor?

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terça-feira, 12 de outubro de 2021

Ela se foi

Um dia ela decidiu que nada daquilo lhe servia. 

Naquele dia ela percebeu que não havia restado nada além do vazio dentro de si.

Ela reuniu a última gota de confiança que lhe restou e comunicou o fim, não sabendo ao certo o quanto ainda doeria dali em diante, mas certa de que não lhe sobrariam muitas opções pro futuro além de tentar mudar seu destino.

Naquela noite ela partiu daquela situação, mas também partiu de si mesma e do ponto de equilíbrio em meio ao caos que lhe preenchia o ser.

O que seria dali para frente? Algum dia teria forças para se reerguer?

Muitos dias ruins seguiriam, mas muitos dias bons também haveriam para lembrá-la de que algumas coisas mudariam para poder dar lugar a outras tão boas quanto aquelas foram algum dia.
E como uma brasa reacendida, o seu coração voltou a queimar por sonhos adormecidos.

Ela se permitiu partir de si mesma, daquela versão que se tornara infeliz, para uma pessoa com alguma tímida coragem para enfrentar as adversidades que viessem... e elas vieram, bateram tão forte quanto ela pôde aguentar. Nalguns dias ela chorou, pensou em desistir e ela ainda pensa nisso em alguns momentos  de fragilidade... Mas em outros dias, Ah em outros dias ela brilhou como mil sóis e foi feliz como nunca havia pensado. Porque ela tem medos bobos que aos poucos vai enfrentando, saindo da concha e buscando sua melhor versão, amando o maior amor da sua vida: ela mesma.

Naquele dia ela partiu, permitindo que os cacos do seu coração se reconstituíssem em um belo diamante forjado a partir da brasa incandescente de amor, que sim, ela tem a oferecer ao mundo.

No caminho ela descobriu que teria que atravessar a areia escaldante da praia se quisesse alcançar a praia e isso se repetiria inúmeras vezes enquanto fosse necessário aprender com o processo.
E isso acontece todos os dias, pois ela está crescendo e tentando, embora a dor desse fluxo lhe cause desconforto.

Ela sabe que ninguém virá diminuir o peso da sua carga e que o caminho será solitário, mas o fim do percurso guarda uma promessa de que toda lágrima se converterá em paz. 
E foi por isso que ela se foi.

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